O antigo nome da Escola Municipal de Ensino Fundamental Espaço de Bitita - Infante Dom Henrique - foi ocultado por um plástico que cobre a placa do estabelecimento, na zona norte paulistana. O novo nome, que aparece improvisado escrito na lona preta, é resultado de uma luta da comunidade escolar que começou em 2015.
Foi naquele ano que, após uma votação aberta a toda a comunidade do bairro do Canindé, ficou decidido que o nome da escola passaria a homenagear a escritora Carolina Maria de Jesus, que morou na região. A autora, quando escreveu seu livro mais famoso –Quarto de Despejo, provavelmente viu a construção da escola, inaugurada em 1960, a poucos metros do local onde ficava a favela onde vivia.
A escolha de um novo nome foi decidida após debates a respeito do antigo Infante Dom Henrique, um nobre português que participou do estabelecimentodo tráfico de pessoas escravizadas da África. “Ele foi fundador do tráfico negreiro no mundo”, dizo diretor da escola, Cláudio Marques Neto, sobre o personagem histórico.
Um projeto de lei, que alterava o nome da escola para homenagear Carolina de Jesus, chegou a ser aprovado na Câmara de Vereadores de São Pauloem 2017.Esse primeiro projeto, no entanto, foi vetado pelo então prefeito João Doria naquele mesmo ano. Segundo Cláudio Neto, a decisão foi justificada pelo fato dejá existiruma escola com o nome da escritora e também com o argumento de que Dom Henrique seria um nome de “tradição” no bairro.
Para contornar a burocracia, foi apresentadoentãoo nome Espaço de Bitita, em referência ao apelido de infância da escritora, que é lembrado no livroDiário de Bitita. A lei que determina essa mudança foi sancionada pelo prefeito Ricardo Nunes no último dia 6 de junho.
“A lição pedagógica mais importante para nós é que, às vezes, para mudar uma realidade você precisa ter persistência”, destaca o diretor sobre o processo. De acordo com ele, a alegria foi tanta que uma festa está sendo planejada para comemorar o rebatismo da escola. “A gente tem esses pais e mães que são muito engajados, que participam da escola, então foi uma festa”, diz sobre as manifestações que chegaram presencialmente e por mensagens de whatsapp.
Para Neto, a luta pela mudança faz parte da construção do “tipo de conhecimento” que a escola propõe. “Você deixa de contar a história do ponto de vista do dominador e passa a contar do ponto de vista das pessoas simples do lugar”.
A mudança foi considerada bem-vinda entre os alunos. “Fiquei surpreso, porque pensei que era uma pessoa boa”, dissePedro Brito, aluno do 8º ano, quando foi informado a respeito da história do Infante Dom Henrique. “Se não é [uma pessoa boa], por que deixar o nome [na escola] e representar uma pessoa que é ruim?”, questiona o jovem de 14 anos.
“A Carolina Maria de Jesus foi uma mulher muito forte”, afirma,com uma ponta de orgulho, Emanuelly Ferreira, que tem 13 anos e também cursa o 8º ano.
Para a historiadora especialista em patrimônio cultural, Debora Neves, dificuldades como a enfrentada pela comunidade da escola Espaço de Bitita para conseguir a alteração do nome, tem a ver com “uma burocracia instrumentalizada que barra o avanço desses debates”. Segundo ela, isso acontece “porque são temas que ainda estão muito presentes na nossa sociedade. Tem a ver com a dificuldade de a gente encarar o passado como ele efetivamente é. O nosso passado não é simpático, não é bonito”.
No entanto, apesar dos obstáculos, Deborah acredita que movimentos como o que ocorreu no Canindé devem se multiplicar. “Esse é um processo que não vai ser interrompido, porque as pessoas estão cada vez mais se apropriando daquilo com que elas convivem no cotidiano e querem se sentir pertencentes a esses espaços”, enfatiza.
O caminho percorrido pela comunidade na zona norte é, na avaliação da historiadora, o melhor trajeto para trabalhos como esse, começando pelo reconhecimento e debate. “De modo geral, as pessoas não sabem quem são os patronos dessas escolas, prédios públicos, de ruas. Então, o primeiro passo é justamente despertar essa curiosidade”.
Em maio, a Justiça de São Paulo impediu que o metrô mudasse o nome da futura Estação Paulo Freire, prevista para ser inaugurada em 2026 na Linha Verde, para Fernão Dias. O primeiro nome faz referência ao patrono da educação brasileira e o segundo a um bandeirante que viveu no século 17.
A empresa sustenta que a alteração foi feita após uma pesquisa de opinião. A estação ficará localizada na Avenida Paulo Freire, na zona leste paulistana.
Nesse caso, a historiadora vê o processo como insuficiente. “O processo participativo envolve discussão, debate, leituras, escutas, estudos. Enfim, não é só abrir um formulário e as pessoas votam sim ou não”, destaca Deborah.
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